Os hospitais europeus foram ficando cheios, sem vagas nas UTIs, pessoas foram morrendo sem a possibilidade de serem cuidadas, e nesse inicio, principalmente, os mais idosos. Também houve aqueles que cederam a sua vaga, o seu oxigênio, para alguém mais novo, alguém com mais chances de sobreviver, alguém que ainda tivesse vida pra viver. Por aqui, no Brasil, nada de vírus.
Só haviam chegado as notícias pela televisão, mas desde o mês de janeiro de 2020 os jornais abordavam o assunto; em fevereiro ainda aconteceu o carnaval normalmente e apenas no final do mês os casos foram aparecendo.
Foi em março que os hospitais europeus ficaram assim. Era um clima de guerra, remeti logo ao período da segunda guerra, do holocausto, das mortes de pessoas aos montes, da não existência daquilo que pertence ao mundo do simbólico, do ritual, que possibilita lidar com o real. Eu estava pasma. Ninguém tinha feito nada para evitar. Não estou trazendo a questão de se era evitável ou não era, mas na minha cabeça a questão era: a China avisou, fechou a fronteira, controlou os voos que chegavam e acompanhou as pessoas em quarentena, por que os países europeus não fizeram o mesmo? Ou pelo menos com os voos que vinham da China? Primeiro deixaram acontecer, e depois ficaram no aguardo de como ia transcorrer, considerando até a imunidade de rebanho. A China acompanhou, também acabou deixando acontecer porque não ouviu um aviso que foi dado antes por um médico em novembro do ano anterior.
Acompanhar traz a noção de estar ao mesmo tempo, já o transcorrer só se lida com o depois. Ali, pra mim, ficou estabelecido: seria um longo período dentro de casa e que as pessoas precisariam se proteger.
Antes parecia que essa não era uma questão muito evidente. Como cada um se protege? E do quê que se deve proteger? Isso é ensinado? É aprendido? Eu não sabia por quê que aquilo já era algo estabelecido pra mim, algo óbvio, e para muitos outros não era.
Não por acaso, uma palavra que tenho escutado repetidamente neste período é obviamente. Antes não a ouvia muito, agora ela aparece nas falas o tempo todo. Talvez seja a palavra que cabe pra continuar falando o óbvio diante do cansaço e exaustão que acomete principalmente àqueles da área da saúde pública (mas também para aqueles que passaram esse período se informando e informando aos outros), para quem o aviso bastava e a imunidade de rebanho não passava de uma ilusão, baseados em suas pesquisas e experiências de anos de trabalho.